sábado, 15 de junio de 2013

Nicarágua aprova concessão para construção de canal alternativo ao Panamá

Foto Efe
Projeto que cortará o país vai se utilizar de lago Cocibolca, maior da América Central; populações locais reclamam não terem sido consultadas

Por Giorgio Trucchi | Opera Mundi

Depois de um grande debate e com 61 votos a favor e 25 contra, o Parlamento da Nicarágua aprovou na última quinta (13/06) uma lei especial que outorga uma concessão à empresa de capital chinês HKND (HK Nicaragua Canal Development Inversion Company), para construir, desenvolver e operar um canal interoceânico entre os oceanos Atlântico e Pacífico. 

A empresa poderá administrar essa obra  por 50 anos, com possibilidade de prorrogação de outros 50. Nesta sexta-feira (14/06), o presidente Daniel Ortega ratificou o acordo.

Transcripción de las intervenciones durante la firma del Acuerdo Marco de Concesión e Implementación del Canal de Nicaragua y Proyectos de Desarrollo

O megaprojeto, cujo estudo de impacto ambiental se iniciará nos próximos meses e se estenderá por pelo menos um ano, custará 40 bilhões de dólares. Ele incluirá, durante os próximos 10 anos, a construção de um canal aquático, dois portos de grande magnitude, um canal seco que consiste em uma via férrea entre os dois portos de água profunda, assim como um oleoduto, dois aeroportos e duas zonas de livre comércio.

A “Lei Especial para o Desenvolvimento de Infraestrutura e Transporte Nicaraguense, Referente ao Canal, Zonas de Livre Comércio e Infraestrutura Associadas” foi aprovada pela Comissão de Infraestrutura e apresentada no plenário do Parlamento para sua aprovação. A obra prevê trazer ao país um crescimento econômico anual médio superior aos 11.5%, durante o período de 2014 a 2018, um aumento de 136% do PIB (Produto Interno Bruto), o que equivaleria a um incremento de quase 1.3 milhões de empregos formais, isto é, de 28% ao ano durante os seis anos de construção.

Em declarações à imprensa local, o presidente da Comissão do Grande Canal da Nicarágua, Manuel Coronel Kautz, disse que a propriedade do canal passará paulatinamente às mãos do Estado da Nicarágua e que depois de 50 anos, “o país será proprietário de 51% das ações.”

Kautz explicou também que antes de iniciar as obras, a empresa concessionária deverá realizar estudos de sua viabilidade, de seu impacto ambiental, econômico-social e técnico, para definir qual será o melhor caminho a seguir. “Antes que se cumpra esse processo, não se podem tomar decisões definitivas”, disse.

Descartada a possibilidade de construir o canal através do rio San Juan, que faz fronteira com a vizinha Costa Rica, sobram cinco rotas alternativas que preveem o uso do grande lago Cocibolca, a maior fonte hídrica da região centro-americana.

Estado presente

Com a aprovação, em julho do ano passado, da Lei 800, definiu-se o regime jurídico do megaprojeto, e criou-se a Autoridade do Grande Canal Interoceânico da Nicarágua, que vai representar o Estado nicaraguense como acionista, com uma cadeira no conselho diretivo das empresas envolvidas.

Além disso, criou-se a Comissão do Grande Canal, integrada por funcionários do governo, a qual “tem a autoridade para tudo, qualquer coisa que a comissão não aprove, não passa, e é uma comissão de nicaraguenses”, assegurou Kautz.

Manuel Madiz, especialista em direito internacional, assegurou ao Opera Mundi que “de nenhuma maneira” o projeto implica em uma renúncia da soberania nacional, porque “todas as obras vão ser submetidas à aprovação ou rejeição da Comissão e do Comitê de Avaliação”.

Segundo a Lei 800, o canal nicaraguense teria a capacidade de captar 416 milhões de toneladas métricas, o que representaria 3,9% da carga marítima mundial. Além disso, a zona de construção do canal será declarada de utilidade pública e o Estado indenizará os donos dos terrenos afetados.

Obra histórica

Durante uma cerimônia de entrega de cartas credenciais de novos embaixadores na Nicarágua, o presidente Daniel Ortega enfatizou a importância desse megaprojeto e convidou vários países a participarem da construção do Grande Canal.

Dirigindo-se ao novo embaixador do Brasil em Managua, Luis Felipe Mendoza, Ortega disse que “depois de tantos séculos de luta para transformar em realidade esse canal, ao fim chegou o momento, e creio que o Brasil vai se interessar por isso”. Também disse que a obra “vai permitir erradicar a pobreza e o desemprego” e vai servir para “o desenvolvimento de toda a região”.

O embaixador brasileiro se comprometeu a levar à presidente Dilma Rousseff a mensagem de Ortega. “Comprometo-me a levar à minha presidenta o que o senhor acaba de dizer sobre o canal, e me empenhar para que nossas empresas se interessem em participar”, assegurou Mendoza.

Controvérsias

Essa obra de grande envergadura gerou também muita preocupação e até rejeição em diferentes setores da sociedade nicaraguense. Além dos inevitáveis impactos ambientais, critica-se a pouca participação e consulta da população afetada e ao pagamento das indenizações para as propriedades que serão expropriadas. Também se questiona a empresa premiada com a concessão e seu presidente, o empresário Wang Jing.

“Estamos preocupados com os riscos ambientais de usar do lago Cocibolca para a navegação comercial, em vez de usá-lo para o consumo humano. É uma decisão precipitada que fere o patrimônio do país”, disse Victor Campos, vice-presidente do Centro Humdoldt.

Os grupos ANCC (Aliança Nicaraguense sobre a Mudança Climática) e MNGR (Mesa Nacional de Gestão de Risco), enfatizaram que a entrega da regulação e controle da administração do ambiente para a construção e operação do canal é uma “decisão inapropriada e lesa a soberania e os interesses nacionais”.

Para Antonio Ruiz, diretor da Fundação do Rio, a construção e operação do canal compromete os recursos naturais, “o que se traduz em um custo muito alto para o país”, apontou.

Durante a sessão parlamentária, o principal dirigente da oposição política do país, o ex-chanceler Eduardo Montealegre, qualificou a concessão de inconstitucional e de uma medida “que dividirá a Nicarágua porque dá de presente seu território à uma empresa estrangeira”.

Mais cautelosa foi a posição das empresas privadas. O Cosep (Conselho Superior da Empresa Privada). Por um lado, ela reconheceu a importância do projeto e, por outro, pediu para revisar o mecanismo de expropriação, a participação da mão de obra e das empresas nicaraguenses. Ela quer estar presente na Comissão do Grande Canal, garantir a proteção do meio ambiente e levar em conta os compromissos adquiridos com a OMC (Organização Mundial do Comércio) e com os tratados internacionais.

Povos originários

O dirigente de Yatama, membro da bancada sandinista do parlamento, Brooklyn Rivera, observou que os povos indígenas Rama e Krial não foram consultados sobre os possíveis efeitos aos seus territórios e recursos ancestrais. “Não sou contra o projeto em si, mas contra os procedimentos legais que violam os direitos dos povos indígenas”, disse.

Também pediu que se leve em conta o conceito que os povos indígenas têm do “desenvolvimento”, ou seja, uma relação de harmonia coma mãe terra. “Não nos opomos ao desenvolvimento do nosso país, mas ele deve estar de acordo com a nossa visão de mundo”, apontou Rivera.

Depois de quase quatro horas de sessão, o Parlamento aprovou também outra lei complementária, que outorga à empresa Alvimer Internacional Cia Ltda uma concessão de dez anos “para prover os serviços e equipamentos de segurança terrestre e aérea nos diferentes postos fronteiriços”.

Para o dia 14, está prevista uma atividade pública durante a qual se assinará o acordo da concessão entre o governo da Nicarágua e a empresa chinesa HKND.

Fuente original: Opera Mundi


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